quarta-feira, 31 de julho de 2013

Choque de Realidade

Quando acordamos, de pés
entrelaçados e gelados.
Tomamos café, rindo
de sonhos malucos.
Um descanso, com dedos
passeando nos cabelos.
Discutimos um bom livro,
jogamos nossos jogos,
fazemos nosso amor.
Só um dia mais,
daqueles banais
e incríveis.

E vai-se embora meu sorriso
quando me pego falando sozinho.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Hourglass

O futuro não é, porque ainda não foi. O passado, por já ter ido, é.
E o presente vai. Vai escorrendo por onde consegue passar. E
passa por tudo. Por mim, por lá. E como marcá-lo? Assim,
com areia que voa na praia quando a brisa vai. E quando
ela volta. Com areia, onde eu escrevo com o dedão do
pé a minha vida. E que se apagarão com a morte.
Grão por grão por letra por letra de areia eu vou
fitando o tempo correndo minha ampulheta
na minha estante das minhas gavetas.
Que cintura essa que me fascina
e que espreme os meus dias
como laranjas maduras.
Pouco a pouco, adeus
tempo meu. Lá se
vai outro
g

r

~

a

o
.
Fica,
contudo,
amontoado
e esparramado por aqui.
Só me resta o lamento, que morrerá comigo,
de que, quando se acabar, ninguém há de virá-la.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Saúde!

A cerveja que molha a garganta,
    que completa o dia de trabalho forçado,
    que enlouquece o marido e invalida a esposa,
    que mata os filhos,
    que enche o tanque de máquinas rasas,
    e aproxima os amigos.

A despretensiosa alegria
    em planejar a próxima boemia,
    em ceder muito pra ganhar pouco,
    em pertencer à maioria;
    fruto de estreita perspectiva
    da árvore economicamente ativa.

As damas, nossos troféus
    de mamas e coxas, de plástico,
    cervos à savana esperando-se caçar,
    dar sua carne aos leões
    que tanto rugem e mostram as presas
    sem sequer sabê-las cerrar.

Tontos os que não querem
se juntar aos convivas
e entornar esse coquetel
    de mesmices e despropósitos,
    de uniformes e etiquetas,
    de eu-na-terra-deus-no-céu.

Um brinde à vida
- ó vida tão bela e putrefata
    de regalias, raparigas e bons vivants.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Soneto de um Pedaço de Mim

Figura não mais que inútil
torno-me ao perder a peça
desse meu quebra-cabeça
pelo amor que se partiu.

Como, de forma gentil,
jogar pedra na vidraça,
ver o vidro que estilhaça
sem ver o que refletiu.

Fora-me arrancado assim
esse pedaço de mim
e assim deixou-se arrancar.

Metonímia não explica
o meu todo se me falta
a parte que eu sei amar.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sede

O corpo pede, anseia por agir.
As mãos curvam os dedos
em torno da goela
que lhe vomitou mentiras.

A mente cria um cenário
de súplica
e de perdão.

O mundo pinta-se em vermelho.
E morre.

Chora, com punhos cerrados, saciado.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Requinte Empresarial

Sento
e teclo e clico e salvo
e mando e finjo e acho
e faço funcionar.
E tento e crio
e imprimo
e penso que comando
e não funciono.
E vejo da minha cela
a vida lá fora passar...

sábado, 13 de julho de 2013

À Noite, a Caminho de Casa

Calafrio correu minhas costelas
e depois os braços e a nuca
quando olhei para o céu.


A divisão das saletas
As paredes da repartição
A labuta impessoal

Puseram-me todas em exílio
por sua impassibilidade
e bocas sem dentes.

E também os telefones
ditos inteligentes
fizeram-me invisível.

Poderia ser um idílio
para mim, pedestre,
momento tão gracioso.

(E sua particularidade
assim se deu dentre
outros, anfêmeros)

Lembrei-me daquele mestre
felino, de Carroll,
e seu mundo maravilhoso

Quanto vi - era sincero;
o único sorriso que ganhei
foi da Lua, crescente.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Falsa Impressão

Que descreve um humor
Que preenche um tudo
Que lhe prende o ar
Que se vê pelo vidro
       da janela
Que assusta o terror
Que lhe torna mudo
quando mais quer falar
Que lhe cumpre um pedido
       de findar

Mas que não é nada...

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Tentativa

Ah, como o amor é ingrato...

                    Dá-lhe afeto hoje;


          Amanhã, tira-lhe o contrapeso.

A balança segue oscilante...

          Entretanto, amo.

Sente-se na outra ponta, minha querida.
Pois eu, sentado aqui, preciso de equilíbrio.
Seja o amor da minha vida,
e brinque comigo nessa gangorra.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Tens Razão

Quantas palavras dizemos em vida ao calor da ansiedade;
que surgem quando pouco há a se dizer.
Escrita, que nobre ferramenta de honraria e de escárnio.
Poderosa sobre os homens, contra os homens.
Se ditas, não são esquecidas. Sequer apagadas.
Podem, porém, ser complementadas; reescritas.

Reescrevo-as, assim, estimando boa ventura
a quem, outrora, desejei insucesso.
Não se trata de arrependimento.
É uma questão de compostura.
Mas não de ternura,
pois carrego ainda sofrimento.
É nada menos do que retrocesso
viver uma vida, entretanto, de amargura.

Palavras e escrita não são em vão.
Cravam em pedra o passado e o presente.
Aceno em adeus, prezando-lhe aprendizado e nova vida.
Mesmo ardendo lancinante, enquanto não sarar, minha ferida.
Falta-me cá uma frase que complemente, mas,
mesmo com ressalvas, digo que tens razão.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Ode a um canalha de lugar nenhum

                    Não se deve alimentar ódio,
                    apesar de senti-lo.
                    Deve-se cantá-lo.
                    Com o perdão dos reis,
                    cantarei uma ode de desgosto e derrota
                    a um canalha de lugar nenhum.


Aquele que lhe era bom,
tão grata surpresa;
tornar-se-á ruim
por sua própria vontade.
Palavra fácil de se absolver,
ruim não serve.
Canalha lhe cai bem,
pois o é, simplesmente.
Termo bem atribuído àquele
que lhe rouba e sorri.
Sabe bem seu objeto,
a estratégia é astuta e
covarde.

Permanece perambulando,
tal qual fantasiosa assombração.
Não é, no entanto, fantasia.
É realidade, maldição!
Tomou-me meu jardim,
com frieza e certeza.
Rega onde outrora reguei;
com água envenenada.
Que apodreça, ó canalha,
pelo teu próprio veneno,
pois o que vale é nada.

Sê andarilho em teu lugar,
se é que pertence a qualquer.
Tenha a decência de ir
para evitar o pior.

Cresça teu próprio jardim,
com remorso e flores mortas
.

domingo, 7 de julho de 2013

Aniversário

Aquele dia em que se acorda
feliz apenas por estar vivo.

Sorri-se mais, abre-se mais,
          e dá-se mais.

Aquele dia em que soprar
velinhas é o ápice do dia.
Mesmo sem bolo, sem velas,
          parabeniza-se.

Aquele dia em que cabe
receber os cumprimentos
dos primos e os abraços
          dos amores.

Tão único dia, dentre outros
trezentos e sessenta e tantos,
no qual se sente muito bem,
          mesmo que não.

E, neste dia, tão importante
quanto a ele ter chegado é
saber que sempre há alguém

          a presenteá-lo.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um minuto crônico

Sento-me na cama
inquieto, curvado.
A meia-luz me turva a vista,
o livro já foi lido,
e o alarme, ligado.

Passa-se outro minuto,
mais um,
e permaneço acordado.

Com insônia.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Vista pro Mar

Salve-se dessa maré
 que ganha a costa a cada lua.
  Olhe o oceano e o azul, que é só seu,
   mas não procure o fim no horizonte.
  Os movimentos são lindos;
 tão serenos e vivos.
Ondas vem
 E ondas vão,
  hipnotizantes.
   Mas não mergulhe.
  Deixe que os barcos naveguem.
 Já estiveram lá, e estarão.
Deixe-os derivar.
 E os cardumes, viajando unidos,
  unidos cairão na rede dos famintos.
   E assim unidos morrerão.
  Apenas observe tudo o
 que passa sobre o mar.
E passará.